Certa noite, já bem longe da hora de jantar, ouvi a minha avó a chamar por mim:
- Ritinha, anda cá! Ritinha!
Era raro aquele acontecimento. Um chamamento real, genuíno, empolgado...
- Já vou, avó. Estou a arrumar a cozinha.
Levantei a mesa à pressa, equilibrando o meu prato, o da minha mãe e o do meu pai, em pilha, que sustentavam três copos com um restinho de sumo no fundo e os talheres engordurados. Com a mão vaga, segurava a saladeira cheia de azeite, vinagre e as sobras de alface e cebola.
Num momento de profunda concentração, ouvi outra vez:
- Ritinha! Depressa! Anda cá!
Ao tiro da partida, caíram os talheres, rodou a saladeira sobre a palma da mão, tropeçaram-se os pés um no outro.
Pousei a "tralha" na bancada e corri a passos largos até ao quarto da minha ansiosa avó.
- Que queres, 'vó?
- Vou contar-te uma história... - indicou ela, olhando para a sua mão enrugada pela sabedoria da idade.
Olhei, inclinei a cabeça para o lado, como quando se quer entender melhor alguma coisa, e escutei:
- Eu e a minha mão somos conhecidas há muito, mas muito tempo...- iniciou.
Pensava: "Que sairá daqui...?".
- Era uma vez, cinco malandros.
Este aqui (demonstrou, abanando o dedo mindinho) é um pobrezito... É o mais pequeno de todos e por nenhum outro é respeitado.
Mas este (tremelicou agora o dedo anelar) é como um passarinho... Sempre a cantar e a bailar.
O do meio (encolheu os outros deditos envelhecidos) é o Rei! Acha-se importante e impõe as suas regras...
O primeiro é um maroto (apontou o olhar para o dedo indicador)...! É conhecido por todos como o "fura-bolos". Um guloso nato...!
O último (fez sinal de "fixe") gosta de ir à caça...! É um verdadeiro mata-piolhos! Crrr crrrr!
Sorri, sorri pela inocência do relato, pelo riso da minha avó e pelo brilho dos seus olhos ao terminá-lo...
Uma sensação de pura satisfação...